Em 2006, a revista Ultimato publicou dois artigos sobre a gigantesca imagem, que hoje é lembrada como o principal cartão postal brasileiro. Leia a seguir uma delas.

O Cristo Redentor e a situação política, social e religiosa do Brasil em 1923

Em 1923 o Rio de Janeiro, então capital da República, tinha 30 mil habitantes. O presidente do Brasil era o viçosense Arthur da Silva Bernardes, então com 48 anos, eleito no ano anterior com 56% dos votos válidos. A situação econômico-financeira da nação era péssima e enorme a instabilidade política. Havia levantes ou ameaças de levantes em oito Estados: Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Mato Grosso, Sergipe, Pará, Amazonas e Rio Grande do Sul. O país estava em estado de sítio. O governo adotou várias medidas repressivas, inclusive a lei da imprensa, conhecida como “lei infame”. O episódio dos Dezoito do Forte, envolvendo Eduardo Gomes, na época com 27 anos, ainda estava na memória de todos (julho de 1922). O líder comunista Luis Carlos Prestes, também de 27 anos, acabava de abandonar o exército para organizar o que veio a se chamar Coluna Prestes, a expressão mais radical dos movimentos militares da década de 20.

O padre pernambucano Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (Cardeal Arcoverde), 73 anos, até então o primeiro e único cardeal de toda a América Latina, era o arcebispo metropolitano do Rio de Janeiro. A Igreja Católica estava em alta. Intelectuais como Carlos Laet (76 anos) e Farias Brito (61 anos) eram católicos militantes e exerciam poderosa influência sobre os intelectuais mais jovens, entre eles Jakson de Figueiredo (34 anos), Sobral Pinto (30), Alceu Amoroso Lima (30) e Gustavo Corção (27). Foram eles que fundaram o Centro Dom Vital, um instituto de caráter cultural e religioso inspirado nas doutrinas de São Tomás de Aquino, que influiu diretamente na criação de importantes órgãos e associações: Ação Universitária Católica, Instituto Católico de Estudos Superiores (hoje Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Liga Eleitoral Católica, Ação Católica Brasileira e outras. A organização editava uma revista mensal intitulada A Ordem, que circulou de 1921 a 1962. A Ação Católica Brasileira, iniciada em 1923, sob a inspiração da encíclica Ubi Arcano Dei, de Pio XI, alimentava o propósito de “promover o reino de Jesus Cristo na família, nas instituições e na sociedade”. Fizeram um trabalho enorme, alcançando todas as classes sociais, na base de pequenos grupos que se reuniam em paróquias, colégios, repartições, locais de trabalho e bairros.
Foi em 1923 ano que o padre jesuíta Leonel Franca, primeiro reitor da PUC do Rio, aos 30 anos, publicou A Igreja, a Reforma e a Civilização, em resposta ao livro O Problema Religioso da América Latina, escrito três anos antes pelo notável gramático e pastor presbiteriano Eduardo Carlos Pereira, autor também de Gramática Expositiva e Gramática Histórica, falecido em março de 1923, aos 68 anos, no ano em que, segundo sua previsão, deveria acontecer o arrebatamento da igreja (ele teria se tornado pré-milenista quatro anos antes). Para escrever A Igreja, a Reforma e a Civilização, Leonel Franca passou algum tempo pesquisando nas bibliotecas do Vaticano.

Em 1923 havia seis igrejas e 16 congregações presbiterianas no Rio de Janeiro. A maior delas (2.687 membros) era pastoreada pelo Rev. Álvaro Reis, 59 anos à época, casado, pai adotivo de 14 órfãos. Os protestantes eram extremamente zelosos tanto na pregação do evangelho como na manutenção da liberdade de culto e da separação entre Igreja e Estado, direito adquirido com o advento da República (Constituição de 1891). Era preciso vigiar, porque a Igreja Católica ainda não havia se conformado nem se acostumado com esta novidade e lutava para reconquistar a sua posição de religião oficial. Além de Álvaro Reis e de vários outros líderes batistas, metodistas e congregacionais, deve-se registrar o nome do Rev. Erasmo Braga (48 anos), então secretário executivo da Comissão Brasileira de Cooperação, mais tarde Confederação Evangélica do Brasil, com sede na capital federal. Erasmo, que falava inglês, francês, espanhol, italiano e um pouco de alemão, era uma pessoa-chave no relacionamento dos protestantes brasileiros dentro e fora do Brasil.

Já em 1923 havia outras correntes religiosas no país, além de católicos e protestantes. Uma delas eram as sociedades teosóficas, uma no Rio e outra em Niterói, que pregavam o panteísmo e a perfectibilidade do homem através de uma série de reencarnações. Outra era uma seita de origem protestante e norte-americana fundada em 1872, que se instalou no Brasil exatamente em 1923 — as Testemunhas de Jeová. Este é o quadro político, social e religioso no Brasil no ano em que a Igreja Católica resolveu erguer no alto do Corcovado o monumento Cristo Redentor.

De mãos sempre estendidasA forte reação protestante ao Cristo Redentor começou efetivamente oito anos antes da sua inauguração no dia 12 de outubro de 1931. A reação não era contra a figura de Jesus como redentor, muito querida e insistentemente pregada por eles desde a redescoberta da graça por ocasião da Reforma (século 16).
O que eles temiam era a transformação daquele símbolo cristão em imagem de adoração, como aconteceu com a serpente de bronze que Moisés levantou no deserto (Nm 21. 1-9) e que muitos anos depois foi despedaçada por Ezequias por ter se tornado objeto de culto (2 Rs 18.4).

Todavia, a idéia de um Cristo de braços estendidos é correta e extremamente saudável. Esta foi a posição de Jesus quando abençoou as crianças que lhe trouxeram (Mc 10.16). Esta foi a sua posição na cruz no alto do Gólgota (Jo 19.18). Esta foi a sua posição ao ser assunto aos céus: “Então Jesus os levou para fora da cidade até o povoado de Betânia. Ali levantou as mãos e os abençoou. Enquanto os estava abençoando, Jesus se afastou deles e foi levado para o céu.” (Lc 24. 50-51, NTLH).

O fato de terem colocado o monumento cristão no alto do Corcovado, a 700 metros de altura, com 360 graus de visibilidade, não podia ser mais apropriado e significativo, pois o Jesus da Bíblia foi levantado da terra para dar sua vida em resgate de muitos (Jo 12.32).

As autoridades católicas da época acertaram em cheio dando ao monumento o nome de Cristo Redentor, a verdade mais preciosa e eternecedora do cristianismo, pois é só em Jesus que nós “temos a redenção, a saber, o perdão de pecados” (Cl 1.14; Ef 1.7).

Veja também

Rio de Janeiro, 1923: A forte reação protestante ao Cristo Redentor
Cristo Redentor 80 anos: site oficial